A garagização da Ciência: mudança irreversível
©Prof. Moacir Gabriel
Teólogo e Químico,
Especialista em
Psicopedagogia e
Neurociências
Acredito em uma mudança irreversível: a pesquisa cientifica de ponta dependerá cada vez menos de grandes laboratórios e grandes orçamentos pois a mesma está sofrendo o processo de "garagização". A "garagização" a que me refiro diz respeito àquilo que vimos no passado acontecer com as ciências computacionais/informáticas nas mãos de homens como Bill Gates, Steve Jobs e outros, a saber: uma maturação científica/tecnológica que não se desenvolveu no ceio da elite acadêmica, mas nas garagens de pesquisadores indepentendes.
Até recentemente, as dimensões e os preços dos equipamentos laboratoriais tornavam praticamente impossível as pesquisas independentes e com modestos orçamentos, o que continua a ser verdade para pesquisas que requeiram RMN (Ressonância Magnética Nuclear) por exemplo. No entanto, a Revolução do Silício, sobretudo na sua faceta eletrônica, mudou as cartas do jogo.
Com a supracitada revolução, equipamentos analíticos - onipresentes nos mais diversos nichos de pesqusia científica - tornaram-se cada vez menores e mais baratos. Para além disso, há também o processo de desmarginalização de métodos laboratoriais outrora chamados de "amadores" e "improvisados, pois parece haver um fetiche acadêmico pelo caro e complicado/rebuscado.
Em 2008, na revista científica Letters in Applied Microbiology, Volume 46, Issue 4, 1 April 2008, Pages 498–499, de Oxford, investigadores apontaram que o uso do microondas, um utencílio doméstico, melhorou e barateou um procedimento de eletroporação, concluindo que "This method might be useful to those laboratories that cannot afford an electroporation apparatus".
Recentemente, quando o artigo citado acima foi compartilhado no LinkedIn, profissionais com alta titulação (PHD) ridicularizaram/marginalizaram a postagem, chegando ao ponto de supor ser uma brincadeira do dia 1º de Abril. Ao que a página responsável pela publicação disponíbilizou o DOI do arigo e ainda de outro que fizera pesquisa semelhante. Esse comportamento é um sintoma da resistência acadêmica a inovações que tornam menos exclusiva/elitista a atividade científica.
À medida que equipamentos convencionais têm seus custos de aquisição e operacionais diminuídos, bem como novas metodologias mais simples são retiradas da marginalidade, a garagização torna-se uma realidade e não apenas o business científico é transformado, mas também a educação científica.
Instituições de ensino e pesquisa outrora dependentes de orçamentos exorbitantes agora podem caminhar com maior racionalidade financeira e independência motivacional. Financiadores de pesquisa, públicos ou privados, costumam interferir nessas instituições à medida que - pelo constrangimento financeiro - determinam a agenda institucional.
Outro aspecto deveras importante para a garagização é o acesso ao conhecimento científico consolidado que também já não depende mais do acesso a bibliotecas físicas e tampouco da frequência presencial em cursos universitários renomados e até fetichizados. Com o advento dos ebooks, outra consequência da revolução eletrônica que vimos nascer nos anos 70, alguém com ideias heterodoxas não precisa mais buscar em grandes centros universiários o acesso a publicações e aulas de referência (vide aulas e livros dos melhores professores estarem disponíveis na rede).
Sim, a pesquisa cientifica de ponta já está e continuará a ser feita em escalas menores, dentro das "garagens" e quem quiser fazer parte disso precisará aceitar a descentralização dos precessos de ensino e pesquisa, em outras palavras, precisará lidar com a falta de controle. A garagização da ciência é um processo que favorece a independência dos pesquisadores e tão somente a coletividade que estiver disposta a aprender mensurar qualidade cientifícia fora do contexto do controle institucional terá bom êxito.
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